A 1.ª República<br>e o movimento operário no Barreiro,<br> de Armando Sousa Teixeira

Modesto Navarro

Saúdo Ar­mando Sousa Tei­xeira pelo la­bo­rioso e ex­tra­or­di­nário tra­balho que vem re­a­li­zando. Es­tudar os mo­vi­mentos po­lí­ticos e so­ciais, os an­seios e lutas dos tra­ba­lha­dores, os par­tidos po­lí­ticos, as di­versas es­tru­turas as­so­ci­a­tivas, a in­ter­venção po­pular, a au­sência e, de­pois, o cres­ci­mento das con­di­ções para a for­mação do par­tido da classe ope­rária e de todos os tra­ba­lha­dores, me­rece o res­peito e o in­cen­tivo de quem está in­te­res­sado em aprender, de quem pre­tende par­ti­cipar nos pro­cessos de trans­for­mação re­vo­lu­ci­o­nária do nosso País e do mundo.

Os li­vros an­te­ri­ores de Ar­mando Sousa Tei­xeira trans­por­taram para a nossa vida e apren­di­zagem re­fle­xões, es­tudos, no­tí­cias, con­clu­sões e uma paixão imensa e cla­ri­fi­ca­dora sobre a iden­ti­dade do Bar­reiro e da re­gião, sobre o papel dos ex­plo­rados e opri­midos no de­sen­vol­vi­mento local e re­gi­onal; não está ainda su­fi­ci­en­te­mente va­lo­ri­zada e re­co­nhe­cida esta frente de tra­balho in­te­lec­tual que en­raíza a acção e a evo­lução dos nossos co­nhe­ci­mentos, para me­lhor po­dermos ac­tuar na mu­dança e na li­ber­tação de cada terra e de cada re­gião em que vi­vemos.

Ler este livro, «A 1.ª Re­pú­blica e o Mo­vi­mento Ope­rário no Bar­reiro», com o acervo de con­tra­di­ções e es­pe­ranças po­pu­lares, o so­ci­a­lismo utó­pico ainda na sua fase ini­cial, longe da traição ela­bo­rada da so­cial-de­mo­cracia de após a 2.ª Guerra Mun­dial, com o re­pu­bli­ca­nismo na sua fase já ama­du­re­cida e des­trui­dora de ideais, os mo­vi­mentos po­lí­ticos, so­ciais, edu­ca­tivos e cul­tu­rais con­tra­di­tó­rios e es­ti­mu­lantes, leva-nos, e deve levar-nos, a com­parar os pro­cessos e acon­te­ci­mentos da 1.ª Re­pú­blica com o que se passou na Re­vo­lução de 25 de Abril de 1974, nas suas di­fe­renças enormes.

Na 1.ª Re­pú­blica e neste livro, no anarco-sin­di­ca­lismo e nas lutas ope­rá­rias, vamos des­co­brindo os si­nais que hão-de in­flu­en­ciar a cri­ação de maior cons­ci­ência pro­le­tária e de in­ter­venção mais li­berta de su­jei­ções às classes bur­guesas e seus re­pre­sen­tantes. A Fe­de­ração Ma­xi­ma­lista, o jornal A Ban­deira Ver­melha e ou­tras ex­pe­ri­ên­cias in­flu­en­ci­adas pelo pen­sa­mento mar­xista e pela Re­vo­lução de Ou­tubro, de que se fala neste livro, levam à for­mação do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês em 1921 e às lutas e vi­cis­si­tudes na sua or­ga­ni­zação e afir­mação pro­gres­siva, antes e de­pois do golpe mi­litar de 28 de Maio e do ad­vento do fas­cismo.

Este livro trata do pe­ríodo da 1.ª Re­pú­blica. Mas, ao lê-lo, po­de­remos re­la­ci­onar esse pe­ríodo his­tó­rico com a in­ter­venção e re­sis­tência dos tra­ba­lha­dores ao fas­cismo, até à in­fluência, or­ga­ni­zação e re­a­li­zação efec­tiva da Re­vo­lução de 25 de Abril de 1974, e com­pre­ender me­lhor como a 1.ª Re­pú­blica fa­lhou porque a classe ope­rária não tinha ainda es­tru­tu­rada a força po­lí­tica que foi de­ci­siva desde o final dessa ex­pe­ri­ência, fi­cando então or­ga­ni­zada e ac­tu­ando na clan­des­ti­ni­dade com toda a co­ragem e so­fri­mento dos mi­li­tantes co­mu­nistas e seus ali­ados.

Po­de­remos então re­cordar me­lhor ainda as pro­postas e ilu­sões, os re­for­mismos, as formas mais ela­bo­radas de ex­pec­ta­tivas e na­moros; mas, desde a re­sis­tência e no 25 de Abril, há quase 40 anos, sempre a avançar e a rasgar ho­ri­zontes, na re­forma agrária, no con­trolo ope­rário, nas na­ci­o­na­li­za­ções, no poder local de­mo­crá­tico, na de­fesa das li­ber­dades, dos di­reitos po­lí­ticos, so­ciais e cul­tu­rais, es­teve e está o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês e seus ali­ados, desde o MUD, o MUD Ju­venil, os mo­vi­mentos uni­tá­rios que se se­guiram, a CDE desde 1969, o tra­balho nos sin­di­catos e es­tru­turas as­so­ci­a­tivas po­pu­lares, a CGTP, as or­ga­ni­za­ções co­e­rentes e re­pre­sen­ta­tivas dos ope­rá­rios, dos tra­ba­lha­dores, dos seus ideais e von­tades de re­vo­lução e trans­for­mação de cada terra, de cada re­gião e do país.

Uma opção de classe

No pe­ríodo da 1.ª Re­pú­blica, desde logo, em 1911, a morte as­sas­sina caiu sobre gre­vistas em Se­túbal e ou­tras mortes se su­ce­deram, nas trai­ções su­ces­sivas de re­pu­bli­canos, so­ci­a­listas e de­mo­crá­ticos das pe­quena e média bur­gue­sias, que de­fen­diam os in­te­resses dos grandes la­ti­fun­diá­rios e ca­pi­ta­listas. Veja-se, neste livro de Ar­mando Sousa Tei­xeira, como as co­ló­nias eram in­cen­sadas e mais ex­plo­radas, sendo a «me­nina dos olhos» de re­pu­bli­canos, so­ci­a­listas e or­ga­ni­za­ções da ma­ço­naria, entre ou­tras.

Este livro traz-nos essa vida, as lutas, as con­tra­di­ções e de­fi­ci­ên­cias das or­ga­ni­za­ções tra­ba­lha­doras na 1.ª Re­pú­blica. E, por ana­logia, traz-nos também à me­mória o que foi a ofen­siva da di­reita contra o 25 de Abril e a Re­vo­lução de 1974, na ida de Sá Car­neiro aos Es­tados Unidos da Amé­rica, não sendo re­ce­bido por Kis­singer, então se­cre­tário de Es­tado, que re­cebeu, isso sim, Mário So­ares, para pre­parar a traição e o ataque feroz ao 25 de Abril, com a so­cial-de­mo­cracia eu­ro­peia, os par­tidos e or­ga­ni­za­ções que fi­nan­ci­aram e or­ga­ni­zaram a contra re­vo­lução em Por­tugal.

A nossa me­mória e as nossas ex­pe­ri­ên­cias de vida ilu­mi­naram-se com a lei­tura deste livro, que fala da 1.ª Re­pú­blica e da classe ope­rária no Bar­reiro, que nos dá or­gulho do que somos e maior cons­ci­ência da re­a­li­dade ac­tual e dos seus ne­ces­sá­rios de­sen­vol­vi­mentos. Esta obra foi le­vada a cabo com muita de­di­cação e sa­cri­fício, com uma pro­funda opção de classe do seu autor, res­peito pelos seus an­te­pas­sados e es­tudo dos tra­ba­lha­dores das mais di­versas ori­gens, con­tra­di­ções e op­ções po­lí­ticas.

Criar cons­ci­ência e apro­fundá-la pe­rante os de­sa­fios que ac­tu­al­mente en­fren­tamos, sem a ganga das ilu­sões face à bur­guesia, ao ca­pi­ta­lismo e seus re­pre­sen­tantes; co­nhecer me­lhor as lutas he­róicas de tra­ba­lha­dores, sin­di­ca­listas, in­te­lec­tuais e povo im­pli­cado nas re­vo­lu­ções, vi­tó­rias e der­rotas; res­peitar e en­gran­decer esta his­tória enorme dos re­vo­lu­ci­o­ná­rios e do PCP, que soube e sabe di­rigir os seus es­forços e von­tades para a união de todos os que estão com os tra­ba­lha­dores e o País; neste livro, quem não co­nhece o que foi o Bar­reiro da 1.ª Re­pú­blica fica a ter mais con­si­de­ração e es­tima pelo Bar­reiro de ontem e per­ce­berá me­lhor o que ele é hoje, como pa­tri­mónio re­vo­lu­ci­o­nário e con­celho pro­gres­sista.

Terras e povo assim es­timam-se e tornam-se exem­plares, como é cada vez mais es­ti­mu­lante e exem­plar este tra­balho de Ar­mando Sousa Tei­xeira, que não deixa perder a me­mória do que fomos e que nos aci­cata para con­ti­nu­armos co­e­rentes e mais in­ter­ven­tivos na re­a­li­dade do­lo­rosa e di­fícil que en­fren­tamos e na de­fesa da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica.

Nada está per­dido. Até as der­rotas dos tra­ba­lha­dores e do povo se trans­formam em fu­turas vi­tó­rias, quando as sa­bemos es­tudar, ana­lisar e apro­veitar para me­lhor tra­ba­lharmos nas lutas que vão se­guir-se.

Sai­bamos honrar e va­lo­rizar os que es­crevem com dig­ni­dade e de­di­cação, os que não são pa­lhaços da es­crita para en­ganar e ali­enar. Há dias, li numa pa­rede de Lisboa que «Os ar­tistas en­tretêm o povo e o go­verno apro­veita para des­truir o país e servir os ex­plo­ra­dores». Há «ar­tistas» e ar­tistas, há «in­te­lec­tuais» e in­te­lec­tuais, e o Ar­mando Sousa Tei­xeira ajuda-nos a en­tender me­lhor o que foi o pas­sado e o que po­de­remos cons­truir na acção e nas ideias que nos guiam e im­pul­si­onam para um fu­turo mais livre e trans­for­mador.




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